27.3.06

Adopção e Homoparentalidade

A adopção constitui uma forma de proporcionar a uma criança uma nova e definitiva família, na impossibilidade da sua permanência com a família natural.

Do ponto de vista jurídico, trata-se do vínculo que se estabelece legalmente entre adoptado e adoptante, que é em tudo semelhante ao existente na filiação natural, salvo na dependência dos laços de sangue. Assim sendo, uma vez adoptada, a criança torna-se um membro de pleno direito na sua nova família e, quem a adoptou, adquire os mesmos direitos e responsabilidades que teria caso se tratasse de um filho natural.

A adopção prossegue objectivos de tipo altruísta dado visar a realização do superior interesse da criança; tem vindo cada vez mais a ser defendida como uma das medidas mais eficazes de protecção das crianças, sobretudo naquelas cuja permanência nas famílias biológicas coloca em risco a sua saúde e segurança; é decretada pelo Tribunal quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos e seja razoável supor que entre adoptante e adoptado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação natural.

O Direito Português reconhece às pessoas de sexo diferente vivendo em união de facto o direito de adopção em condições análogas às previstas no Código Civil para a adopção plena. Ao permitir a adopção singular não exclui a constituição de famílias monoparentais por homens ou mulheres que adoptem. Proíbe, contudo, e ao que parece vai continuar, ainda, por muito tempo a proibir a adopção por casais formados por dois indivíduos do mesmo sexo.

Continua a considerar-se que a heterossexualidade do casal parental é garante de um bom desenvolvimento das crianças; a pressupor-se que há muito mais promiscuidade entre homossexuais que entre heterossexuais; a presumir-se que a orientação sexual dos homossexuais é devida a maus pais ou a experiências traumáticas na infância.

A maioria assume que a homossexualidade é uma opção sexual, ou seja, uma escolha do indivíduo, ou então, que é um desvio clinicamente tratável.
Poucos têm a percepção de que a orientação sexual, seja ela hetero ou homossexual, é uma expressão do indivíduo sexual, que lhe é intrínseca da sua forma de ser, da sua própria natureza.

Entretanto a sociedade tem vindo a passar por transformações que, naturalmente, têm implicações no conceito de família.
Da família tradicional e alargada evoluiu-se para um modelo de família nuclear, centrada nos pais e nos filhos, e para novos padrões de família, designadamente as famílias nucleares de casais heterossexuais vivendo em união de facto e as famílias monoparentais.
Os casais homossexuais, quer tenham ou não filhos a seu cargo, tendem, ainda, a não ser considerados como constituindo um agregado familiar, não obstante terem já algum reconhecimento legal decorrente da lei das uniões de facto.

Não obstante o aumento de adopções na Europa ter vindo a ficar aquém do crescimento do número de crianças institucionalizadas, em Portugal o número de crianças existentes para adopção é bastante inferior ao número de pedidos.
O que é frequente acontecer no nosso país é as expectativas dos candidatos não corresponderem às situações reais das crianças disponíveis para adopção.
Crianças com idades a partir dos 9 anos, crianças com problemas de saúde ou, ainda, fratrias, não encontram candidatos a adoptantes residentes em Portugal e são, por isso, das primeiras a ser encaminhadas para a adopção internacional.
Embora mais de 60% das crianças institucionalizadas tenham sido acolhidas com menos de oito anos de idade, o processo de definição do projecto de vida da criança é complexo e moroso, permanecendo a maioria nos lares por mais de 2 anos, o que faz com que atinjam idades em que existem menos candidatos a adoptantes.

Há no nosso país quem defenda que as crianças que permanecem institucionalizadas por ausência de casais heterossexuais que as queiram adoptar, beneficiariam muito mais com a adopção por casais homossexuais desde que estes reunissem as condições exigidas.
Embora se vislumbre nesta posição um indício de uma tendência para a abertura de mentalidades, são patentes, ainda, as reservas que persistem em relação à adopção por casais constituídos por dois indivíduos do mesmo sexo.
Nesta perspectiva, a homoparentalidade é entendida como um mal, ainda que um mal menor.

Nos EUA, os muitos milhares de profissionais que constituem os múltiplos órgãos colegiais da Pediatria, Psicologia e Psiquiatria, aos quais se juntou o da Terapia Familiar, que têm acesso a toda a investigação produzida neste campo e que conseguem averiguar a sua credibilidade, subscrevem a homoparentalidade e recomendam a adopção por casais constituídos por indivíduos do mesmo sexo.

No parecer emitido pela Academia Americana de Pediatria defende-se que dois pais gays ou duas mães lésbicas podem proporcionar um desenvolvimento emocional, cognitivo, social e sexual das crianças equiparado ao desenvolvimento de filhos de casais heterossexuais. A forma estrutural particular da família não influencia o desenvolvimento da criança. O conhecido pediatra Berry Brazelton também se pronunciou já no mesmo sentido, referindo não existir nenhuma pesquisa que diga que o desenvolvimento da criança, a sua sexualidade ou a sua futura competência, possam ser afectadas por viverem com um casal homossexual.

Na verdade, face ao conhecimento actual, não existe qualquer razão válida que conduza à evidência de que a homoparentalidade não pode construir uma verdadeira relação de filiação, e cimentar uma verdadeira relação de vinculação afectiva a crianças privadas de um ambiente familiar biológico estruturado e funcional, de modo a proporcionar-lhes estabilidade emocional e física, auto-estima e capacidade de auto controle, desenvolvendo capacidades cognitivas, intelectuais e de integração.

O princípio do preconceito é a ignorância; e, por isso, há ainda, no nosso país, indivíduos com responsabilidade na matéria que pensam e afirmam que ?mais vale uma criança passar toda a vida numa instituição ou em famílias de acolhimento à infelicidade de ser educada por homossexuais, sejam dois ou um.?

O argumento apontado contra a adopção homossexual das alterações do comportamento da criança por via da sua discriminação não tem justificação, pois se, num primeiro momento, a discriminação pode acontecer, a sociedade não pode compactuar indefinidamente com essa situação de injustiça e desigualdade social, tal como também sucedeu com tantas outras formas de discriminação, nomeadamente a situação dos filhos de casais divorciados ou bi-raciais.


Na Europa, as legislações holandesa, dinamarquesa, islandesa, sueca, do Reino Unido e espanhola são, de momento, as que autorizam a adopção por homossexuais.
Em Portugal, estatísticas de 2003 indicam que, apenas 25% da população, com o predomínio de mulheres, jovens e indivíduos com um grau de educação formal mais elevado, são a favor da autorização da adopção de crianças por casais homossexuais.
Infelizmente, a ignorância vence, ainda!

O primeiro ministro espanhol, Zapatero, considerou que a lei espanhola que permite a homossexuais o casamento e a adopção é "um passo mais no caminho da liberdade e da tolerância" e, constrói "um país mais decente, porque uma sociedade decente é a que não humilha os seus membros."

Está ainda para chegar o tempo em que Portugal deixará de humilhar alguns dos membros da sua sociedade.

2 Comments:

Blogger Sandra Cunha said...

Olá,

Gostei muito do artigo. Sou mãe adoptiva de uma menina de nove anos que adoptei quando tinha sete. Foi das que esteve mais de dois anos institucionalizada...

Estou a preparar a minha investigação de Doutoramento (Sociologia) e no seguimento das investigações anteriores, terá como tema contextualizador a Protecção à Infância sendo a adopção um dos subtemas a tratar.

Gostaria de saber a fonte das estatísticas apontadas "25% da população, (...)são a favor da autorização da adopção de crianças por casais homossexuais".

Faço sem dúvida parte desses 25% e já na minha investigação para a licenciatura (efectuada junto de crianças e jovens institucionalizados) procurei inserir essa questão através de jogos de imagens em que os miúdos tinham de exercer o "papel do juiz" e decidir a que candidatos à adopção entregariam um grupo de crianças para adopção. Foram entrevistadas 23 crianças entre os 6 e os 15 anos. Um terço delas entregaram crianças aos casais homossexuais (masc. e fem.) mesmo tendo ainda disponíveis outros adoptantes heterossexuais (casais e singulares).

Cumps,

domingo, novembro 04, 2007 9:55:00 da tarde  
Blogger Sandra Cunha said...

Olá,

Vim aqui parar porque tenho no Goole um alerta para tudo o que e refira a adopção de crianças.

Gostei do artigo e digo desde já que sempre defendi a adopção de crianças por quem as ame e se constitua sua família, independentemente da cor, idade, orientação sexual ou qualquer outra característica irrelevante.

Sou portanto absolutamente a favor que se permita a adopção de crianças por homossexuais, singulares ou casais. Contudo, não posso deixar de lembrar que apenas existe consagrado na lei o direito a ser adoptado que decorre do direito à família. O direito a adoptar não existe. Para ninguém! Homossexual, bissexual, heterossexual ou outro. Existe sim o direito a ter filhos e a adopção pode ser uma via para exercer esse direito. Portanto a reivindicação dessa possibilidade (adopção por homossexuais) terá de ter sempre por base o superior interesse da criança e a efectivação do seu direito à família.

Sou mãe adoptiva e a adopção é uma das minhas áreas privilegiadas de investigação. Estou actualmente a preparar a minha investigação de Doutoramento (Sociologia) e versará precisamente sobre esta temática. Por isso estou muito interessada em saber as fontes das estatísticas apresentadas:

"Em Portugal, estatísticas de 2003 indicam que, apenas 25% da população (...)são a favor da autorização da adopção de crianças por casais homossexuais"

Obrigado

sábado, novembro 10, 2007 1:56:00 da manhã  

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