20.4.06


O Principezinho e a Raposa
O essencial é invisível para os olhos.

10.4.06

Speech by Peter Schieder



" I personally see no reason why people of the same sex should not be allowed to marry.
I also believe that what children awaiting adoption really need is love, care and protection from responsible adults.In the world today, some are lucky to find new parents, many do not. They become victims of prejudice and hypocrisy paraded as concern.
"


Speech by Peter Schieder, President of the Parliamentary Assembly of the Council of Europe
Lisbon, 25 October 2002

9.4.06

No essencial depende de cada um de nós

Em 1935, na sua "Carta a uma Mãe Americana", cujo filho era homossexual, Freud escreveu:
"A Homossexualidade, decididamente, não é vantajosa, mas não é nada de que se deva envergonhar, nenhum vício, nenhuma degradação, nem pode ser classificada como doença... Vários indivíduos altamente respeitados tanto da antiguidade como dos tempos modernos são homossexuais, muitos deles dos homens mais ilustres entre eles (Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc.). É extremamente injusto, e uma crueldade também, perseguir a homossexualidade como se de um crime se tratasse."
Sigmund Freud (1935), "Letter to an American Mother", reimpresso em "Ronald Bayer, Homosexuality and American Psychiatry" (Princeton: Princeton University Press, 1987), p. 27


Mais de 70 anos depois este tipo de resposta ainda se mantém actual. Infeliz e inexplicavelmente, muitos continuam a considerar a homossexualidade como uma doença, como um crime, um vício ou uma degradação.
Alguns continuam a considerar os homens e mulheres cuja orientação sexual preferencia o mesmo sexo, como anormais, porque expressam impulsos sexuais que não são socialmente aceitáveis. Na sua restritiva opinião, os homossexuais devem sublimar a sua homossexualidade em favor da adaptação social.

É estranho que assim pensem.
Ser minoria é difícil.

Apesar de ser da natureza humana preferir o que é maioritariamente aceite - aquilo que, por isso, é classificado como "natural" e "normal" - e de os homossexuais terem um comportamento socialmente desvantajoso, continuamos a ser homossexuais.
Era tão mais fácil não ser homossexual! Mas essa característica é-nos intrínseca e inata.
A homossexualidade não é, de facto, uma escolha ou opção.

Durante muito tempo, a sociedade obrigou-nos a um esforço enorme, na manutenção do nosso próprio senso de dignidade e de auto-estima, numa estrutura social que nos era intrinsecamente inimiga - contra os homossexuais e a sua sexualidade.
Para a nossa sociedade foi, durante muitas décadas, impensável aceitar dois homens ou duas mulheres numa relação afectiva estável, responsável e mutuamente gratificante.
Relações deste tipo eram, e provavelmente ainda são, muito ameaçadoras, especialmente as relações entre dois homens, para o conceito de masculinidade do homem na maior parte dos segmentos da sociedade ocidental.

Por isso as leis tornavam difíceis as relações estáveis entre os homossexuais e encorajavam os encontros ocasionais e transitórios que podiam ser facilmente escondidos.
Se é verdade que muitos heterossexuais e homossexuais tiveram ocasionalmente experiências sexuais na adolescência nas quais a sexualidade estava separada das experiências de amor e afecto, contudo, faz parte do saudável desenvolvimento do indivíduo e da sua maturidade, o envolvimento emocional que passará, eventualmente, pela estabilidade na relação e pela fidelidade emocional.

Mas, tal como concluiu Michel Foucault, na cultura cristã ocidental a homossexualidade foi banida e o homossexual teve que concentrar toda a sua energia no próprio acto sexual.
Aos homossexuais não é permitido elaborarem um sistema de namoro, porque a expressão cultural necessária para essa elaboração era, como ainda, nos é negada.
A peculiar comunicação através do olhar, o aproveitar do momento saltando rapidamente por cima de qualquer indecisão, a rapidez com que as relações homossexuais são consumadas: tudo isto é produto da interdição.
Daí que os homossexuais estejam até hoje conotados com "promiscuidade"; afinal, a negação da homossexualidade passa pela tentativa do não envolvimento emocional. E não é, por isso, incomum que um dos parceiros num casal homossexual esteja num casamento heterossexual.

A homossocialização, assumir-se para os outros, homo e heterossexuais, e estar socialmente envolvido, é um aspecto necessário para a integração individual da orientação sexual.

A cada vez maior visibilidade dos homossexuais, a tomada de consciência pela sociedade, resultante desse contacto próximo com uma realidade que não conhecia na intimidade, que os homossexuais são seres humanos como os outros, cidadãos de pleno direito como os demais, permite-nos conviver com novas facetas da realidade da vida a dois, num casal homossexual.

O facto de alguns de nós homossexuais podermos, porque o queremos, registar a nossa união com a pessoa que vivemos e amamos, vai contribuir para uma maior expressão, mas também e simultaneamente uma maior proximidade da sociedade à forma em tudo similar à da maioria, que os homossexuais vivem, e aspiram viver.

Ter a pessoa que amam a entrar em casa à mesma hora todos os dias, com ela conversar, partilhar o dia-a-dia, e claro, receber e dar aquele abraço que transmite mais do que o mero desejo, mas o sentimento de pertença e de entrega mútua. E tal como para os heterossexuais, o acto sexual é a forma mais completa, intensa e íntima de se exprimir o amor.

A situação dos homossexuais na sociedade portuguesa, resulta de vários factores, mas todos eles decorrem da forma como os próprios homossexuais têm vindo a ocupar, enquanto indivíduo e enquanto grupo, um papel cada vez mais patente na sociedade.
O que vai ser a futura situação, mais não será do que a forma como cada um de nós vamos usar os direitos que nos são garantidos, decorrerá da forma como cada um de nós vai exigir que esses direitos sejam efectivos e como vamos demandar em plena igualdade o usufruto de todos os direitos da maioria heterossexual.

Daniel Sampaio, no último ano do século passado, ao escrever sobre a homossexualidade dizia: "... pessoalmente não tenho dúvidas que no séc. XXI, haverá crianças a viver com o pai e a mãe, só com a mãe, só com o pai, com dois homens ou com duas mulheres".
Eu também não tenho dúvidas. A homossexualidade terá uma existência social integrada.

Quando isso vai acontecer, de que forma e em que vertentes, depende, no essencial, de cada um de nós.
É necessário, na minha opinião, abandonar a posição de vítima, e ocupar o lugar que nos é devido.
Porque o que, em alternativa, nos resta é, na melhor das hipóteses, mero conforto temporário.

2.4.06

Famílias na família

Aos meus Filhos

A forma como vivemos - aquilo a que, em determinados contextos, chamamos "realidade social" - tem transformado a forma como nos vemos e vemos os outros.

Uma das áreas em que isso, também, é patente é a da Família.

A família de hoje, segundo alguns autores, é um sistema emocional com várias modalidades organizativas, em que o nascimento do primeiro filho cria socialmente o agregado familiar.

Concordo e discordo!

A família de hoje, mercê da multiplicidade de formas que a caracteriza, é de facto um sistema bem diferente daquele que existiu e, também, muito diferente daquele que "idealizámos", que pensávamos ser "o melhor" ou, eventualmente, "o mais desejável".

Eduardo Sá é peremptório: "As famílias tradicionais nunca existiram."
E, realmente, já há muito que constatámos a existência de várias formas de família e, mais recentemente passámos a dar-lhes nome - monoparental, nuclear, intacta, reconstruída (de tecido secundário), numerosa, alargada, troncal, de avós acolhedores, etc., etc. - muitas das vezes com alguma dificuldade em as classificar com rigor, dada a sua constante mutação e permutabilidade.

Discordo porque, na minha opinião, não é o nascimento do primeiro filho que cria o agregado familiar em termos sociais.
Efectivamente cria laços que nunca mais se dissolverão, porque o filho vai ter, literalmente para sempre, aqueles pais, mas não é esse acontecimento que cria uma família.


No que me toca em particular, que sempre me senti, e me vi, como diferente, há muito que tenho uma família, também ela, "diferente".

O Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 9 de Janeiro de 1996, quando se referia a mim, afirmava:
"Que o pai da menor, que se assume como homossexual, queira viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outro homem, é uma realidade que se terá de aceitar, sendo notório que a sociedade tem vindo a mostrar se cada vez mais tolerante para com situações deste tipo, mas não se defenda que é um ambiente desta natureza o mais salutar e adequado ao normal desenvolvimento moral, social e mental de uma criança, designadamente, dentro do modelo dominante da nossa sociedade, como bem observa a recorrente. A menor deve viver no seio de uma família, de uma família tradicional portuguesa, e esta não é, certamente, aquela que seu pai decidiu constituir, uma vez que vive com outro homem, como se de marido e mulher se tratasse."

Não obstante a formulação "despropositada ou infeliz" que os Venerandos Juízes da Relação utilizaram, não deixa de ser interessante que em meados da década de 90 do século passado, um Tribunal, e consequentemente, o Estado Português tenha afirmado que a minha coabitação com um indivíduo do meu próprio sexo é uma Família - não tradicional, é certo, mas, contudo, uma Família.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, em Acórdão proferido em 21 de Dezembro de 1999, viria a concluir que, "para anular a sentença do Tribunal de Família de Lisboa e, consequentemente, conferir o exercício do poder paternal à mãe em detrimento do pai, o Tribunal da Relação de Lisboa introduziu um elemento novo, a saber: o facto de o recorrente ser homossexual e coabitar com outro homem."
E por isso, condenou o Estado Português, por violação dos Direitos do Homem.

A actuação dos Tribunais portugueses, e a sua não-acção, conduziram a uma situação de total afastamento da minha filha que, por razões que posso conjecturar mas efectivamente não conheço, não me quer ver nem ter qualquer tipo de relacionamento comigo.

Mas esta foi uma fase da minha vida, porque o que me leva a escrever estas palavras é o facto de a minha realidade familiar se ter alterado no entretanto.

Em 2004, casei pela segunda vez.

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Na impossibilidade de o fazer em Portugal e, naquele momento, também na Europa, o Fernando e eu casámos em Toronto, no Canada.


Fernando Pereira

No início do ano seguinte, o filho mais novo do Fernando, decidiu vir viver connosco.
As duas filhas mais velhas do meu marido passaram a ser, também, visita regular de nossa casa, e as datas festivas celebradas em família, com os meus pais, irmão e cunhada, também sempre presentes.

Infelizmente, o Fernando não conseguiu resistir muito tempo ao cancro que lhe minava o pulmão, que se metastizou e rapidamente progrediu.
Faleceu, faz hoje dois meses.
Dele ficou comigo o lamento da saudade, e também uma nova forma de família.
O Pedro - o filho mais novo do Fernando, agora com 20 anos de idade - adoptou-me e vive comigo. As suas irmãs, ainda que independentes, agem também como se eu fosse o "papá".

Assim, estou hoje mais rico. E agradeço ao Fernando o legado que me deixou - a, agora, minha família.
A eles se junta, ainda, uma outra filha, a Carla, que por ter ficado órfã de pai com tenra idade - ao que parece, em determinada altura da sua vida, eu ter sido para ela, inadvertidamente da minha parte, uma figura paternal de referência - adoptou-me também como pai.


Duma, perspectiva mais técnica, ou pelo menos, menos emotiva, agora sou viúvo e tenho 5 filhos - uma filha biológica e quatro adoptivos.
Existem, entre nós, as dependências e relações caracterizadoras da estrutura familiar.

Afinal, a pesquisa no âmbito das ciências sociais, e a experiência "comum", dizem-nos que, no tocante à Família, a diversidade é a norma.
Considerando a multiplicidade de formas que a família pode apresentar pode-se afirmar que o que define a família é o compromisso e a interdependência - emocional e financeira - dos seus membros.

Arrisco, mesmo, uma definição:
Família, como uma unidade social, é um grupo, relativamente permanente, de pessoas relacionadas por ascendência ou matrimónio ou adopção ou intimidade afectiva, que vivem junto e formam uma unidade económica e onde os adultos assumem a seu cargo as crianças e os jovens.

27.3.06

Adopção e Homoparentalidade

A adopção constitui uma forma de proporcionar a uma criança uma nova e definitiva família, na impossibilidade da sua permanência com a família natural.

Do ponto de vista jurídico, trata-se do vínculo que se estabelece legalmente entre adoptado e adoptante, que é em tudo semelhante ao existente na filiação natural, salvo na dependência dos laços de sangue. Assim sendo, uma vez adoptada, a criança torna-se um membro de pleno direito na sua nova família e, quem a adoptou, adquire os mesmos direitos e responsabilidades que teria caso se tratasse de um filho natural.

A adopção prossegue objectivos de tipo altruísta dado visar a realização do superior interesse da criança; tem vindo cada vez mais a ser defendida como uma das medidas mais eficazes de protecção das crianças, sobretudo naquelas cuja permanência nas famílias biológicas coloca em risco a sua saúde e segurança; é decretada pelo Tribunal quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos e seja razoável supor que entre adoptante e adoptado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação natural.

O Direito Português reconhece às pessoas de sexo diferente vivendo em união de facto o direito de adopção em condições análogas às previstas no Código Civil para a adopção plena. Ao permitir a adopção singular não exclui a constituição de famílias monoparentais por homens ou mulheres que adoptem. Proíbe, contudo, e ao que parece vai continuar, ainda, por muito tempo a proibir a adopção por casais formados por dois indivíduos do mesmo sexo.

Continua a considerar-se que a heterossexualidade do casal parental é garante de um bom desenvolvimento das crianças; a pressupor-se que há muito mais promiscuidade entre homossexuais que entre heterossexuais; a presumir-se que a orientação sexual dos homossexuais é devida a maus pais ou a experiências traumáticas na infância.

A maioria assume que a homossexualidade é uma opção sexual, ou seja, uma escolha do indivíduo, ou então, que é um desvio clinicamente tratável.
Poucos têm a percepção de que a orientação sexual, seja ela hetero ou homossexual, é uma expressão do indivíduo sexual, que lhe é intrínseca da sua forma de ser, da sua própria natureza.

Entretanto a sociedade tem vindo a passar por transformações que, naturalmente, têm implicações no conceito de família.
Da família tradicional e alargada evoluiu-se para um modelo de família nuclear, centrada nos pais e nos filhos, e para novos padrões de família, designadamente as famílias nucleares de casais heterossexuais vivendo em união de facto e as famílias monoparentais.
Os casais homossexuais, quer tenham ou não filhos a seu cargo, tendem, ainda, a não ser considerados como constituindo um agregado familiar, não obstante terem já algum reconhecimento legal decorrente da lei das uniões de facto.

Não obstante o aumento de adopções na Europa ter vindo a ficar aquém do crescimento do número de crianças institucionalizadas, em Portugal o número de crianças existentes para adopção é bastante inferior ao número de pedidos.
O que é frequente acontecer no nosso país é as expectativas dos candidatos não corresponderem às situações reais das crianças disponíveis para adopção.
Crianças com idades a partir dos 9 anos, crianças com problemas de saúde ou, ainda, fratrias, não encontram candidatos a adoptantes residentes em Portugal e são, por isso, das primeiras a ser encaminhadas para a adopção internacional.
Embora mais de 60% das crianças institucionalizadas tenham sido acolhidas com menos de oito anos de idade, o processo de definição do projecto de vida da criança é complexo e moroso, permanecendo a maioria nos lares por mais de 2 anos, o que faz com que atinjam idades em que existem menos candidatos a adoptantes.

Há no nosso país quem defenda que as crianças que permanecem institucionalizadas por ausência de casais heterossexuais que as queiram adoptar, beneficiariam muito mais com a adopção por casais homossexuais desde que estes reunissem as condições exigidas.
Embora se vislumbre nesta posição um indício de uma tendência para a abertura de mentalidades, são patentes, ainda, as reservas que persistem em relação à adopção por casais constituídos por dois indivíduos do mesmo sexo.
Nesta perspectiva, a homoparentalidade é entendida como um mal, ainda que um mal menor.

Nos EUA, os muitos milhares de profissionais que constituem os múltiplos órgãos colegiais da Pediatria, Psicologia e Psiquiatria, aos quais se juntou o da Terapia Familiar, que têm acesso a toda a investigação produzida neste campo e que conseguem averiguar a sua credibilidade, subscrevem a homoparentalidade e recomendam a adopção por casais constituídos por indivíduos do mesmo sexo.

No parecer emitido pela Academia Americana de Pediatria defende-se que dois pais gays ou duas mães lésbicas podem proporcionar um desenvolvimento emocional, cognitivo, social e sexual das crianças equiparado ao desenvolvimento de filhos de casais heterossexuais. A forma estrutural particular da família não influencia o desenvolvimento da criança. O conhecido pediatra Berry Brazelton também se pronunciou já no mesmo sentido, referindo não existir nenhuma pesquisa que diga que o desenvolvimento da criança, a sua sexualidade ou a sua futura competência, possam ser afectadas por viverem com um casal homossexual.

Na verdade, face ao conhecimento actual, não existe qualquer razão válida que conduza à evidência de que a homoparentalidade não pode construir uma verdadeira relação de filiação, e cimentar uma verdadeira relação de vinculação afectiva a crianças privadas de um ambiente familiar biológico estruturado e funcional, de modo a proporcionar-lhes estabilidade emocional e física, auto-estima e capacidade de auto controle, desenvolvendo capacidades cognitivas, intelectuais e de integração.

O princípio do preconceito é a ignorância; e, por isso, há ainda, no nosso país, indivíduos com responsabilidade na matéria que pensam e afirmam que ?mais vale uma criança passar toda a vida numa instituição ou em famílias de acolhimento à infelicidade de ser educada por homossexuais, sejam dois ou um.?

O argumento apontado contra a adopção homossexual das alterações do comportamento da criança por via da sua discriminação não tem justificação, pois se, num primeiro momento, a discriminação pode acontecer, a sociedade não pode compactuar indefinidamente com essa situação de injustiça e desigualdade social, tal como também sucedeu com tantas outras formas de discriminação, nomeadamente a situação dos filhos de casais divorciados ou bi-raciais.


Na Europa, as legislações holandesa, dinamarquesa, islandesa, sueca, do Reino Unido e espanhola são, de momento, as que autorizam a adopção por homossexuais.
Em Portugal, estatísticas de 2003 indicam que, apenas 25% da população, com o predomínio de mulheres, jovens e indivíduos com um grau de educação formal mais elevado, são a favor da autorização da adopção de crianças por casais homossexuais.
Infelizmente, a ignorância vence, ainda!

O primeiro ministro espanhol, Zapatero, considerou que a lei espanhola que permite a homossexuais o casamento e a adopção é "um passo mais no caminho da liberdade e da tolerância" e, constrói "um país mais decente, porque uma sociedade decente é a que não humilha os seus membros."

Está ainda para chegar o tempo em que Portugal deixará de humilhar alguns dos membros da sua sociedade.

JÁ POSSO DAR SANGUE

Ao que parece, agora já posso dar sangue.

O órgão que circula no meu sistema sanguíneo passou a ter interesse para o Estado e para a comunidade científica médica que até agora não me aceitou como dador de sangue, porque sou homem e sou homossexual.

Almeida Gonçalves, presidente há mais de uma década do Instituto Português de Sangue, afirma, segundo conceituadas fontes jornalísticas, ter eliminado em finais de 2005, o critério de exclusão homens que têm sexo com homens, admitindo que se tratou de uma estigmatização sem fundamento científico.

A Directiva 2004/33/CE da Comissão das Comunidades Europeias que actualiza, e normaliza no espaço europeu, as regras de selecção de dadores de sangue, já deveria ter sido transposta para o nosso sistema jurídico até 8 de Fevereiro de 2005, e estabelece como critério de exclusão da doação ou dádiva de sangue, no tocante aos comportamentos sexuais aqueles que colocam a pessoa em grande risco de contrair doenças infecciosas graves susceptíveis de serem transmitidas pelo sangue, independentemente de serem actos sexuais homo ou heterossexuais.

O momento, há muitos anos, em que no Hospital de Santa Maria não aceitaram a minha dádiva de sangue, por eu ser homossexual foi mais uma ocasião em que me senti discriminado.

Infelizmente, confunde-se, ainda, orientação sexual com promiscuidade e prevalecem os estereótipos e as ideias feitas como, por exemplo, que os homossexuais masculinos têm uma tendência para uma maior infidelidade nas relações.

Deixem-me dizer-vos mais uma vez: a orientação sexual não é sinónimo de anormalidade, aberração ou doença.
A orientação sexual que preferencia os indivíduos do seu próprio sexo é apenas isso mesmo, uma característica intrínseca do individuo que lhe confere a capacidade de interagir sexualmente com alguém do seu sexo de forma satisfatória e psicologicamente gratificante.

Os comportamentos de risco (leia-se comportamentos de risco de saúde) não são característicos de uma específica orientação sexual.
Sabe-se hoje que, em Portugal e em quase todo o mundo, a principal via de infecção do VIH é heterossexual.

Por isso, quem sabe, talvez em compensação, pela discriminação sem fundamento cientifico, no saco cheio com o meu sangue doado seja colocada uma etiqueta a dizer: SANGUE HOMOSSEXUAL / SANGUE DE QUALIDADE.

Bem, pelo menos, agora ... já posso dar sangue.

Mas há algo que me preocupa, e muito.

É certo que eliminaram esta discriminação sem fundamento científico.

Mas não posso deixar de me questionar: Quantas mais discriminações injustificadas estão em curso?
Quando é que o Estado, o Legislador, a Sociedade deixarão de se guiar pelo preconceito e pelas ideias preconcebidas?

Afinal, que razão efectivamente válida me têm, para me dar, que justifique eu não poder casar com o homem que amo, ou não poder adoptar uma criança, para lhe dar um lar, a amar, proteger e educar?

Pelo menos, uma coisa é certa.
Demorou!
Mas finalmente concluíram que estavam errados.
Eu, agora, já posso dar sangue.