Famílias na família
Aos meus Filhos
A forma como vivemos - aquilo a que, em determinados contextos, chamamos "realidade social" - tem transformado a forma como nos vemos e vemos os outros.
Uma das áreas em que isso, também, é patente é a da Família.
A família de hoje, segundo alguns autores, é um sistema emocional com várias modalidades organizativas, em que o nascimento do primeiro filho cria socialmente o agregado familiar.
Concordo e discordo!
A família de hoje, mercê da multiplicidade de formas que a caracteriza, é de facto um sistema bem diferente daquele que existiu e, também, muito diferente daquele que "idealizámos", que pensávamos ser "o melhor" ou, eventualmente, "o mais desejável".
Eduardo Sá é peremptório: "As famílias tradicionais nunca existiram."
E, realmente, já há muito que constatámos a existência de várias formas de família e, mais recentemente passámos a dar-lhes nome - monoparental, nuclear, intacta, reconstruída (de tecido secundário), numerosa, alargada, troncal, de avós acolhedores, etc., etc. - muitas das vezes com alguma dificuldade em as classificar com rigor, dada a sua constante mutação e permutabilidade.
Discordo porque, na minha opinião, não é o nascimento do primeiro filho que cria o agregado familiar em termos sociais.
Efectivamente cria laços que nunca mais se dissolverão, porque o filho vai ter, literalmente para sempre, aqueles pais, mas não é esse acontecimento que cria uma família.
No que me toca em particular, que sempre me senti, e me vi, como diferente, há muito que tenho uma família, também ela, "diferente".
O Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 9 de Janeiro de 1996, quando se referia a mim, afirmava:
"Que o pai da menor, que se assume como homossexual, queira viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outro homem, é uma realidade que se terá de aceitar, sendo notório que a sociedade tem vindo a mostrar se cada vez mais tolerante para com situações deste tipo, mas não se defenda que é um ambiente desta natureza o mais salutar e adequado ao normal desenvolvimento moral, social e mental de uma criança, designadamente, dentro do modelo dominante da nossa sociedade, como bem observa a recorrente. A menor deve viver no seio de uma família, de uma família tradicional portuguesa, e esta não é, certamente, aquela que seu pai decidiu constituir, uma vez que vive com outro homem, como se de marido e mulher se tratasse."
Não obstante a formulação "despropositada ou infeliz" que os Venerandos Juízes da Relação utilizaram, não deixa de ser interessante que em meados da década de 90 do século passado, um Tribunal, e consequentemente, o Estado Português tenha afirmado que a minha coabitação com um indivíduo do meu próprio sexo é uma Família - não tradicional, é certo, mas, contudo, uma Família.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, em Acórdão proferido em 21 de Dezembro de 1999, viria a concluir que, "para anular a sentença do Tribunal de Família de Lisboa e, consequentemente, conferir o exercício do poder paternal à mãe em detrimento do pai, o Tribunal da Relação de Lisboa introduziu um elemento novo, a saber: o facto de o recorrente ser homossexual e coabitar com outro homem."
E por isso, condenou o Estado Português, por violação dos Direitos do Homem.
A actuação dos Tribunais portugueses, e a sua não-acção, conduziram a uma situação de total afastamento da minha filha que, por razões que posso conjecturar mas efectivamente não conheço, não me quer ver nem ter qualquer tipo de relacionamento comigo.
Mas esta foi uma fase da minha vida, porque o que me leva a escrever estas palavras é o facto de a minha realidade familiar se ter alterado no entretanto.
Em 2004, casei pela segunda vez.
<
A actuação dos Tribunais portugueses, e a sua não-acção, conduziram a uma situação de total afastamento da minha filha que, por razões que posso conjecturar mas efectivamente não conheço, não me quer ver nem ter qualquer tipo de relacionamento comigo.
Mas esta foi uma fase da minha vida, porque o que me leva a escrever estas palavras é o facto de a minha realidade familiar se ter alterado no entretanto.
Em 2004, casei pela segunda vez.
<
Na impossibilidade de o fazer em Portugal e, naquele momento, também na Europa, o Fernando e eu casámos em Toronto, no Canada.
Fernando Pereira
No início do ano seguinte, o filho mais novo do Fernando, decidiu vir viver connosco.
As duas filhas mais velhas do meu marido passaram a ser, também, visita regular de nossa casa, e as datas festivas celebradas em família, com os meus pais, irmão e cunhada, também sempre presentes.
Infelizmente, o Fernando não conseguiu resistir muito tempo ao cancro que lhe minava o pulmão, que se metastizou e rapidamente progrediu.
Faleceu, faz hoje dois meses.
Dele ficou comigo o lamento da saudade, e também uma nova forma de família.
O Pedro - o filho mais novo do Fernando, agora com 20 anos de idade - adoptou-me e vive comigo. As suas irmãs, ainda que independentes, agem também como se eu fosse o "papá".
Fernando Pereira
No início do ano seguinte, o filho mais novo do Fernando, decidiu vir viver connosco.
As duas filhas mais velhas do meu marido passaram a ser, também, visita regular de nossa casa, e as datas festivas celebradas em família, com os meus pais, irmão e cunhada, também sempre presentes.
Infelizmente, o Fernando não conseguiu resistir muito tempo ao cancro que lhe minava o pulmão, que se metastizou e rapidamente progrediu.
Faleceu, faz hoje dois meses.
Dele ficou comigo o lamento da saudade, e também uma nova forma de família.
O Pedro - o filho mais novo do Fernando, agora com 20 anos de idade - adoptou-me e vive comigo. As suas irmãs, ainda que independentes, agem também como se eu fosse o "papá".
Assim, estou hoje mais rico. E agradeço ao Fernando o legado que me deixou - a, agora, minha família.
A eles se junta, ainda, uma outra filha, a Carla, que por ter ficado órfã de pai com tenra idade - ao que parece, em determinada altura da sua vida, eu ter sido para ela, inadvertidamente da minha parte, uma figura paternal de referência - adoptou-me também como pai.
Duma, perspectiva mais técnica, ou pelo menos, menos emotiva, agora sou viúvo e tenho 5 filhos - uma filha biológica e quatro adoptivos.
Existem, entre nós, as dependências e relações caracterizadoras da estrutura familiar.
Afinal, a pesquisa no âmbito das ciências sociais, e a experiência "comum", dizem-nos que, no tocante à Família, a diversidade é a norma.
Considerando a multiplicidade de formas que a família pode apresentar pode-se afirmar que o que define a família é o compromisso e a interdependência - emocional e financeira - dos seus membros.
Arrisco, mesmo, uma definição:
Duma, perspectiva mais técnica, ou pelo menos, menos emotiva, agora sou viúvo e tenho 5 filhos - uma filha biológica e quatro adoptivos.
Existem, entre nós, as dependências e relações caracterizadoras da estrutura familiar.
Afinal, a pesquisa no âmbito das ciências sociais, e a experiência "comum", dizem-nos que, no tocante à Família, a diversidade é a norma.
Considerando a multiplicidade de formas que a família pode apresentar pode-se afirmar que o que define a família é o compromisso e a interdependência - emocional e financeira - dos seus membros.
Arrisco, mesmo, uma definição:
Família, como uma unidade social, é um grupo, relativamente permanente, de pessoas relacionadas por ascendência ou matrimónio ou adopção ou intimidade afectiva, que vivem junto e formam uma unidade económica e onde os adultos assumem a seu cargo as crianças e os jovens.
1 Comments:
Obrigado por teres partilhado o teu caso, um pequeno passo dado por cada um de nós pode tornar o mundo um local mais agradável.
Enviar um comentário
<< Home