9.4.06

No essencial depende de cada um de nós

Em 1935, na sua "Carta a uma Mãe Americana", cujo filho era homossexual, Freud escreveu:
"A Homossexualidade, decididamente, não é vantajosa, mas não é nada de que se deva envergonhar, nenhum vício, nenhuma degradação, nem pode ser classificada como doença... Vários indivíduos altamente respeitados tanto da antiguidade como dos tempos modernos são homossexuais, muitos deles dos homens mais ilustres entre eles (Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc.). É extremamente injusto, e uma crueldade também, perseguir a homossexualidade como se de um crime se tratasse."
Sigmund Freud (1935), "Letter to an American Mother", reimpresso em "Ronald Bayer, Homosexuality and American Psychiatry" (Princeton: Princeton University Press, 1987), p. 27


Mais de 70 anos depois este tipo de resposta ainda se mantém actual. Infeliz e inexplicavelmente, muitos continuam a considerar a homossexualidade como uma doença, como um crime, um vício ou uma degradação.
Alguns continuam a considerar os homens e mulheres cuja orientação sexual preferencia o mesmo sexo, como anormais, porque expressam impulsos sexuais que não são socialmente aceitáveis. Na sua restritiva opinião, os homossexuais devem sublimar a sua homossexualidade em favor da adaptação social.

É estranho que assim pensem.
Ser minoria é difícil.

Apesar de ser da natureza humana preferir o que é maioritariamente aceite - aquilo que, por isso, é classificado como "natural" e "normal" - e de os homossexuais terem um comportamento socialmente desvantajoso, continuamos a ser homossexuais.
Era tão mais fácil não ser homossexual! Mas essa característica é-nos intrínseca e inata.
A homossexualidade não é, de facto, uma escolha ou opção.

Durante muito tempo, a sociedade obrigou-nos a um esforço enorme, na manutenção do nosso próprio senso de dignidade e de auto-estima, numa estrutura social que nos era intrinsecamente inimiga - contra os homossexuais e a sua sexualidade.
Para a nossa sociedade foi, durante muitas décadas, impensável aceitar dois homens ou duas mulheres numa relação afectiva estável, responsável e mutuamente gratificante.
Relações deste tipo eram, e provavelmente ainda são, muito ameaçadoras, especialmente as relações entre dois homens, para o conceito de masculinidade do homem na maior parte dos segmentos da sociedade ocidental.

Por isso as leis tornavam difíceis as relações estáveis entre os homossexuais e encorajavam os encontros ocasionais e transitórios que podiam ser facilmente escondidos.
Se é verdade que muitos heterossexuais e homossexuais tiveram ocasionalmente experiências sexuais na adolescência nas quais a sexualidade estava separada das experiências de amor e afecto, contudo, faz parte do saudável desenvolvimento do indivíduo e da sua maturidade, o envolvimento emocional que passará, eventualmente, pela estabilidade na relação e pela fidelidade emocional.

Mas, tal como concluiu Michel Foucault, na cultura cristã ocidental a homossexualidade foi banida e o homossexual teve que concentrar toda a sua energia no próprio acto sexual.
Aos homossexuais não é permitido elaborarem um sistema de namoro, porque a expressão cultural necessária para essa elaboração era, como ainda, nos é negada.
A peculiar comunicação através do olhar, o aproveitar do momento saltando rapidamente por cima de qualquer indecisão, a rapidez com que as relações homossexuais são consumadas: tudo isto é produto da interdição.
Daí que os homossexuais estejam até hoje conotados com "promiscuidade"; afinal, a negação da homossexualidade passa pela tentativa do não envolvimento emocional. E não é, por isso, incomum que um dos parceiros num casal homossexual esteja num casamento heterossexual.

A homossocialização, assumir-se para os outros, homo e heterossexuais, e estar socialmente envolvido, é um aspecto necessário para a integração individual da orientação sexual.

A cada vez maior visibilidade dos homossexuais, a tomada de consciência pela sociedade, resultante desse contacto próximo com uma realidade que não conhecia na intimidade, que os homossexuais são seres humanos como os outros, cidadãos de pleno direito como os demais, permite-nos conviver com novas facetas da realidade da vida a dois, num casal homossexual.

O facto de alguns de nós homossexuais podermos, porque o queremos, registar a nossa união com a pessoa que vivemos e amamos, vai contribuir para uma maior expressão, mas também e simultaneamente uma maior proximidade da sociedade à forma em tudo similar à da maioria, que os homossexuais vivem, e aspiram viver.

Ter a pessoa que amam a entrar em casa à mesma hora todos os dias, com ela conversar, partilhar o dia-a-dia, e claro, receber e dar aquele abraço que transmite mais do que o mero desejo, mas o sentimento de pertença e de entrega mútua. E tal como para os heterossexuais, o acto sexual é a forma mais completa, intensa e íntima de se exprimir o amor.

A situação dos homossexuais na sociedade portuguesa, resulta de vários factores, mas todos eles decorrem da forma como os próprios homossexuais têm vindo a ocupar, enquanto indivíduo e enquanto grupo, um papel cada vez mais patente na sociedade.
O que vai ser a futura situação, mais não será do que a forma como cada um de nós vamos usar os direitos que nos são garantidos, decorrerá da forma como cada um de nós vai exigir que esses direitos sejam efectivos e como vamos demandar em plena igualdade o usufruto de todos os direitos da maioria heterossexual.

Daniel Sampaio, no último ano do século passado, ao escrever sobre a homossexualidade dizia: "... pessoalmente não tenho dúvidas que no séc. XXI, haverá crianças a viver com o pai e a mãe, só com a mãe, só com o pai, com dois homens ou com duas mulheres".
Eu também não tenho dúvidas. A homossexualidade terá uma existência social integrada.

Quando isso vai acontecer, de que forma e em que vertentes, depende, no essencial, de cada um de nós.
É necessário, na minha opinião, abandonar a posição de vítima, e ocupar o lugar que nos é devido.
Porque o que, em alternativa, nos resta é, na melhor das hipóteses, mero conforto temporário.

2 Comments:

Blogger Jony said...

Este é um blog que me faz acreditar que a Inetrnet poderá ter um papel muito importante na educação e formação das pessoas e não apenas uma mera e gingantesca enciclopédia.

segunda-feira, outubro 02, 2006 11:16:00 da tarde  
Blogger Jony said...

Este é um blog que me faz acreditar que a Inetrnet poderá ter um papel muito importante na educação e formação das pessoas e não apenas uma mera e gingantesca enciclopédia.

segunda-feira, outubro 02, 2006 11:24:00 da tarde  

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